Luxação Congênita do Quadril – Como é a Cirurgia?

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O que é a Luxação Congênita do Quadril?

A Luxação Congênita do Quadril, também conhecida como Displasia do Desenvolvimento do Quadril, é um espectro de doenças que cursam com instabilidades e mal-formações dos quadris na infância.

O quadro clínico pode ser leve, quando os quadris do paciente são estáveis e o paciente possui apenas uma insuficiência de cobertura do quadril. Contudo, alguns casos são mais graves, quando os quadris do paciente podem nascer fora do lugar, ou seja, luxados.

E como é o tratamento da Displasia dos Quadris na infância?

Sabemos que quanto mais cedo for diagnosticada a criança, menos invasivo é o tratamento.

Em suma, o tratamento se resume da seguinte maneira conforme a idade do paciente:

  • De 0 a 6 meses de vida: o tratamento é feito sem cirurgia, com o uso do Suspensório de Pavlik. Clique aqui para dicas sobre o uso do suspensório.
  • De 6 meses a 18 meses de vida: o tratamento é feito com cirurgia, havendo a possibilidade de ser feita uma cirurgia menos invasiva, que chamamos de redução incruenta dos quadris.
  • De 18 meses para frente de vida: A cirurgia a ser realizada é mais invasiva, e a chamamos de redução cruenta dos quadris.

Como é a cirurgia menos invasiva, chamada de Redução Incruenta?

Como exposto acima, esse procedimento é realizado em casos em que o paciente é mais novo, geralmente antes dos 18 meses de vida. Entretanto, não é sempre que conseguimos realizá-lo. O médico precisa avaliar no ato da cirurgia se é possível fazer este tipo de procedimento. Caso não seja possível, deve-se realizar a Redução Cruenta.

Na Redução Incruenta, o médico realiza a colocação do quadril no lugar sem ter que abrir a articulação do quadril. Para isso, precisamos fazer um pequeno corte na virilha para alongar os músculos internos da coxa, chamados de Músculos Adutores. Após o alongamento dos Músculos Adutores, geralmente é possível trazer o quadril para a posição adequada.

Luxação Congênita do Quadril | Dr. Luiz de Angeli

Imagem demonstrando o momento do alongamento dos músculos adutores dos quadris. Este procedimento é essencial na realização da Redução Incruenta.

Se o quadril conseguir ser colocado no lugar, é feito um gesso pelve-podálico na Posição Humana. Esta posição parece com a posição que chamamos de posição da Rã, semelhante ao posicionamento do Suspensório de Pavlik. O gesso deve ser mantido por um período que gira em torno de 3 meses. Durante este período podem ser necessárias trocas de gesso, e após este período alguns médicos podem optar por usar uma “Órtese de Abdução” por mais alguns meses.

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Imagens demonstrando o gesso pelve-podálico na posição humana. Os quadris ficam mais fletidos e abertos, para garantir o posicionamento dos quadris no lugar adequado.

 

Exemplo de órtese de abdução

Exemplo de órtese de abdução, que pode ser utilizada após a retirada do gesso por alguns meses, a depender da escolha do cirurgião.

Como é a cirurgia mais invasiva, chamada de Redução Cruenta?

Quando a criança ainda tem os quadris fora do lugar, ou seja, luxados, e já tem mais de 1 ano e meio de vida, o procedimento mais indicado é a Redução Cruenta dos quadris. Neste procedimento, precisamos abrir a articulação do quadril para retirar as interposições de vários elementos que atrapalham a colocação do quadril de volta no lugar.

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Imagem exemplificando um quadril luxado, ou seja, fora do lugar. O quadril do lado direito da criança (DIR) está dentro do lugar. Porém, o quadril do lado esquerdo da criança se encontra luxado.

Os passos da cirurgia são os seguintes:

  1. Alongamento dos músculos adutores pela virilha (vide primeira figura).
  2. Abertura do quadril por uma via anterior, chamada de incisão de biquíni. Esta incisão de acesso permite a realização dos próximos passos da cirurgia. Geralmente a cicatriz fica por baixo da roupa íntima.

    Planejamento da “incisão de biquíni”

    Imagem exemplificando o planejamento da “incisão de biquíni”. Esta incisão permite o acesso pela região da frente do quadril, chamada de via anterior, uma das mais utilizadas para este procedimento.


  3. Identificação e afastamento do Nervo Cutâneo Femoral Lateral. Este nervo fica no meio da via, e é responsável pela inervação sensitiva da parte de fora da coxa. Protegê-lo é importante para preservar a sensibilidade na coxa do paciente.

    Dissecção do Nervo Cutâneo Femoral Lateral

    Imagem demonstrando a dissecção do Nervo Cutâneo Femoral Lateral e seus ramos.



  4. Desinserção do músculo reto-femoral da espinha ilíaca ântero-inferior. Este músculo pode ou não ser desinserido durante a realização da cirurgia, cabendo ao cirurgião decidir sobre este passo. Caso opte por este procedimento, deve-se reinserir o músculo ao fim da cirurgia.
  5. Realização da tenotomia do músculo ílio-psoas. Este passo é importantíssimo e deve ser realizado em todos os casos. O músculo ílio-psoas está sempre contraturado em pacientes acima de 1 ano e meio de vida, sendo uma barreira importante para a recolocação do quadril no lugar. Este passo também pode ser realizado pela incisão da virilha.
  6. Capsulotomia do quadril, ou seja, abrir o revestimento da articulação do quadril.
  7. Após acessar a articulação do quadril, o médico deve identificar uma estrutura chamada de “ligamento redondo” ou “ligamentum teres. Este ligamento está alongado e deve ser ressecado para permitir o retorno do quadril para sua posição original.

    Luxação Congênita do Quadril | Dr. Luiz de Angeli

    Imagem demonstrando o ligamento redondo na cabeça do fêmur após a abertura da cápsula do quadril. Os fios roxos estão presos à capsula do quadril.



  8. Então, deve ser realizada um corte em outro ligamento que fica na porção inferior do acetábulo, que é a taça do quadril. Este ligamento se chama “ligamento transverso.
  9. Após a ressecção do ligamento transverso, deve-se terminar de limpar a articulação do quadril, que nesses casos fica cheia de gordura. Essa gordura que cresce nos quadris que estão luxados se chama “puvinar”. O puvinar deve ser completamente retirado da articulação do quadril.
  10. Após terminar estes passos, o médico deve colocar o quadril no lugar e testar sua estabilidade. A depender das características deste passo, existem dois passos adicionais que devem ser cogitados, e realizados se necessário.
    1. O primeiro deles é a “Osteotomia de encurtamento do fêmur”. Quando o quadril está fora do lugar há muito tempo, pode ser difícil trazer o quadril para o lugar pois o fêmur fica relativamente muito alongado. Portanto, caso seja necessário, o médico deve encurtar o fêmur.

      Osteotomia de encurtamento do fêmur

      Imagem exemplificando a “Osteotomia de encurtamento do fêmur”. Após colocar o quadril no lugar, vemos o quanto precisamos encurtar do fêmur, que é o pedaço que está sobreposto na figura. Geralmente, encurtamos de 1 a 2 centímetros.



    2. O segundo passo é a “Osteotomia do acetábulo”. Quando o quadril está luxado há muito tempo, o tetodo quadril pode ficar muito raso, gerando instabilidade na articulação. Recriar um teto a partir de um corte no osso da bacia pode ser necessário para garantir uma boa estabilidade ao fim do procedimento. Existem várias formas de fazer isso, e o médico pode escolher a melhor a depender de cada caso.

      Osteotomia do acetábulo

      Imagem demonstrando a “Osteotomia do acetábulo”. A imagem da esquerda mostra o momento do corte no osso da bacia com um formão curvo. A figura da direita mostra a cirurgia após a colocação dos enxertos, melhorando o “teto”do quadril, gerando mais estabilidade ao final do procedimento.



  11. Após estes procedimentos, o quadril deve ficar no lugar e estável. Após fechar as feridas deve ser confeccionado um gesso pelve-podálico. O médico pode escolher a posição de maior estabilidade. Na redução cruenta, geralmente a Posição Anatômica é a mais estável.

    Exemplo de gesso pelve-podálico na posição anatômica

    Exemplo de gesso pelve-podálico na posição anatômica. Os quadris ficam abertos com uma leve flexão e rotação interna.

E como são os cuidados após a cirurgia?

Após a cirurgia, o gesso pelve-podálico deve ser utilizado por um período de 2 a 3 meses. Como na redução incruenta, podem ser necessárias trocas do gesso durante estes meses. Após a retirada do gesso, o médico pode optar por utilizar uma órtese de abdução por alguns meses ou não, a depender de sua experiência.

Os banhos durante este período devem ser dados com lenços umedecidos. Por mais que utilizemos em alguns casos o gesso sintético(link interno: gesso sintético), pelo fato de existirem cirurgias por baixo do gesso, não permitimos que os pais deem banho de banheira ou na piscina com o gesso.

As fraldas devem ser utilizadas da seguinte maneira: uma fralda do tamanho da criança deve ser utilizada por baixo do gesso. Geralmente não precisamos unir as presilhas da fralda. Trocar as fraldas com mais frequência (pelo menos 5 vezes por dia) é importante para evitar vazamentos. Além da fralda de baixo do gesso, orientamos também utilizar uma fralda geriátrica por cima do gesso para dar mais estabilidade à fralda de baixo e absorver possíveis vazamentos. Por fim, se acontecerem vazamentos da fralda causando sujidades no gesso seu médico deve ser avisado.

A criança pode ser mobilizada normalmente, com bom senso. O gesso protege o quadril para que ele não saia do lugar. Entretanto, evite posturas que deixem a coluna da criança muito curvada, tomando cuidado ao sentá-la. Além disso, quando a criança estiver deitada, sempre olhe as costas para saber se a coluna está reta com a cama. Isso evita posturas anormais que podem causar machucados nas costas do paciente.

E depois de retirar o gesso pelve-podálico, é necessária fisioterapia?

Pelo período longo de imobilização, a fisioterapia é essencial. É super comum que os quadris fiquem rígidos logo após a retirada do gesso. A fisioterapia ajuda no ganho de força, equilíbrio e movimentação das articulações das pernas. Recomendamos sempre que possível a prática de exercícios na água no pós operatório, justamente por facilitar o ganho de mobilidade no quadril.


FAQ

1. Se na cirurgia o médico encurtar o fêmur do meu filho, ele vai ficar com as pernas de tamanhos diferentes?

Essa é uma pergunta muito frequente. Sempre orientamos os pais que o objetivo principal da cirurgia é colocar o quadril no lugar. Sempre que encurtamos o fêmur, geralmente a perna fica do mesmo tamanho que estava quando o quadril estava fora do lugar. Contudo, com o crescimento, é muito comum que a perna operada cresça mais do que a outra, geralmente ficando do mesmo tamanho depois de alguns anos. Isso acontece por uma resposta do fêmur operado chamada de “sobrecrescimento”. Mesmo quando isso não acontece, temos opções de cirurgias minimamente invasivas para igualar o tamanho dos membros nas crianças, chamadas de “epifisiodeses”.

2. Qual é o sinal mais frequente que pode sugerir que o quadril da criança pode estar fora do lugar?

Geralmente quando a Luxação Congênita do Quadril não é identificada nos primeiros meses de vida, os pais só percebem quando a criança começa a andar. Nestes casos, o paciente cursa com uma perna menor do que a outra.

3. Quais os riscos de o quadril ficar fora do lugar no adulto?

Além da diferença de tamanho das pernas (link interno: diferença de tamanho das pernas), outros problemas na coluna, joelhos e no próprio quadril podem ocorrer. No adulto que ainda possui o quadril fora do lugar, uma das opções de cirurgia para correção é a prótese de quadril.