A cirurgia para luxação dos quadris tem como objetivo conter os quadris no lugar adequado, conferindo ao paciente boa mobilidade, conforto e funcionalidade ao paciente.
A paralisia cerebral diz respeito a um espectro de apresentações de sequelas motoras causadas por um dano neurológico não progressivo no encéfalo em crescimento. Em outras palavras, é necessário que o paciente tenha sofrido enquanto criança uma lesão neurológica no cérebro que gere uma dificuldade de se movimentar.
Aqui, salientamos que, muitas vezes, os pacientes possuem uma cognição – ou seja, a inteligência – completamente dentro da normalidade. Esta observação é importante para quebrar o tabu de que os pacientes com este diagnóstico possuem alguma deficiência mental.
A maioria das limitações causadas pela paralisia cerebral acometem os membros inferiores. Dentre as articulações afetadas, os quadris merecem atenção especial.
O grande cerne das consequências ortopédicas na Paralisia Cerebral é o desequilíbrio de forças entre grupos musculares em uma articulação, justamente pela falta de controle dos movimentos causada pelo dano cerebral.
Geralmente, os grupos musculares que são mais fortes tenderão a “ganhar” dos seus antagonistas, causando uma deformidade a favor da movimentação proposta por este grupo mais poderoso. Por exemplo, ao nível dos tornozelos e pés, a deformidade em equino – também conhecida como ponta dos pés – é muito comum. Nesta deformidade, a musculatura do tríceps sural supera em força e dificuldade de controle motor a musculatura do compartimento anterior da tíbia, responsável por contrapor as forças que colocam o pé “para baixo”.
Imagem que esquematiza como a força de adução excessiva pode provocar o deslocamento lateral do quadril na paralisia cerebral.
Quando pensamos nos quadris, as forças de adução e flexão dos quadris – que “jogam” a coxa para dentro e para frente – tendem a ter menos controle e mais força do que os seus opositores. É interessante ressaltar que os pacientes com paralisia cerebral nascem, na grande maioria das vezes, com os quadris locados, ou seja, dentro do lugar e completamente normais. Contudo, devido ao desequilíbrio de forças explicado ao início do paragrafo, os quadris tendem a “sair do lugar” com o tempo, causando dores e incapacidades funcionais.
A conduta em relação à luxação dos quadris na Paralisia Cerebral ainda é tema de bastante discussão entre os ortopedistas pediátricos. Logo, o que vamos explicar neste tópico não é uma verdade absoluta – como quase nada na medicina – mas sim um guia para que os leitores entendam a base do seguimento e tratamento das luxações paralíticas dos quadris.
Radiografia de um paciente com quadro de paralisia cerebral aos 6 anos de vida. Os quadris estão dentro do lugar e não apresentam sinais de luxação.
Radiografia do mesmo paciente 2 anos depois (com 9 anos de idade). Perceba como o quadril esquerdo está se deslocando. Além disso, a forma da taça do quadril – chamada de acetábulo – do lado esquerdo está mais displásica. Neste momento foi indicada a cirurgia de reconstrução dos quadris paralíticos.
Em primeiro lugar, é importante entendermos que quanto menos funcional é o paciente, maior é a chance de ele apresentar a luxação dos quadris. Pacientes que não andam e não ficam de pé tem um risco muito maior de necessitarem de cirurgia do que os pacientes que andam sem muletas.
Ao identificarmos que o quadril está se deslocando, via de regra, existem algumas opções cirúrgicas das quais podemos lançar mão para conter os quadris no lugar:
A cirurgia reconstrutiva do quadril tem como objetivo conter os quadris no lugar adequado, conferindo ao paciente boa mobilidade, conforto e funcionalidade.
Quando bem indicada pelo Ortopedista Pediátrico, a cirurgia deverá ser realizada com planejamento adequado. Por ser uma cirurgia de grande porte, ela pode ser feita em um só tempo ou em tempos separados. Ou seja, alguns cirurgiões preferem fazer um lado primeiro e depois o outro, para minimizar os riscos de possíveis sangramentos excessivos. Sempre recomendamos a reserva de UTI no pós operatório, assim como a reserva de concentrados de hemácias.
Na grande maioria das vezes, o que percebemos é que um quadril está fora do lugar – ou quase totalmente fora – e o outro não possui deslocamentos. Então os pais se perguntam: por que é necessário então fazer a cirurgia em ambos os quadris?
A resposta não é tão difícil de entender: se operamos apenas um dos lados, a bacia do paciente tenderá a ficar oblíqua e assimétrica, colocando o outro quadril em risco de se deslocar. Portanto, sempre buscamos ao final do procedimento a simetria dos quadris, e por conseguinte da bacia.
Mas enfim, vamos ao procedimento:
Pós operatório tardio da cirurgia de reconstrução dos quadris na paralisia cerebral. Perceba como os dois quadris foram operados para que a pelve fique balanceada. Do lado esquerdo, onde havia perda do formato original do acetábulo, foi adicionada uma cirurgia na bacia. O procedimento em questão foi realizado em um só tempo, a partir do trabalho em equipe.
O período pós operatório, por se tratar de uma cirurgia de grande porte, tende a ser realizado inicialmente na UTI. O tempo de internação pode ser, em média, de 5 dias. A utilização de bolsas de sangue pode ser necessária a depender da quantidade de sangue perdido no procedimento.
A imobilização que utilizamos nos pós operatório pode variar. Atualmente, temos utilizado cada vez menos as imobilizações gessadas e temos lançado mão de imobilizações parciais com um triângulo de abdução com talas extensoras de joelho.
Exemplo de imobilização pós operatória com talas extensoras de joelho associada ao triângulo de abdução dos quadris. A imobilização é removível e confere boa estabilidade aos quadris, facilitando os cuidados no pós operatório e diminuindo o risco de lesões por pressão causados pelos gessos pelve-podálicos. Quando possível, preferimos este tipo de imobilização.
A fisioterapia pode ser iniciada de imediato, com movimentos gentis. Geralmente permitimos que o paciente se sente em torno de 3 semanas após a cirurgia e fique de pé de 6-8 semanas após a cirurgia.
Aqui, salientamos que a total recuperação do paciente para alcançar o seu nível funcional pré operatório pode variar de 6-12 meses, a depender de vários fatores.
A cirurgia dos quadris na Paralisia Cerebral pode ser feita de várias formas, desde procedimentos menos invasivos para casos mais brandos em pacientes mais jovens, até procedimentos mais extensos chamados de reconstrução dos quadris.
Recomendamos que um Ortopedista Pediátrico seja consultado para avaliar os quadris dos pacientes com Paralisia Cerebral e recomendar o procedimento mais adequado no caso de eles necessitarem de cirurgia.
Nota: As informações contidas neste artigo são de caráter meramente informativo e não substituem uma consulta médica. O Núcleo de Ortopedia Especializada conta com especialistas em todas as áreas de atuação da ortopedia moderna.
3. ANGELI, L. R. A.; MORAIS FILHO, M. C.; GRANGEIRO, P. M.
O Membro Inferior na Paralisia Cerebral In: Ortopedia e Traumatologia.1 ed.Rio de Janeiro: Elsevier, 2017, v.2, p. 1251-1257.
4. POSNA CP Hip Radiographic Screening Guideline
Os pacientes que possuem maior risco são aqueles que possuem menor capacidade de movimentação. Sendo mais técnico na resposta, os pacientes com nível funcional GMFCS IV e V (que geralmente usam cadeiras de rodas para movimentação) são os que apresentam maior risco.
A melhor forma de prevenir a luxação dos quadris é manter o paciente ativo, alongado, em um programa regular de exercícios de fisioterapia e afins. O acompanhamento regular dos quadris com radiografias é recomendado4 (veja este link para recomendações técnicas) a partir dos 2 anos de vida. Sabemos que quanto antes descobrirmos se os quadris estão em risco, mais fácil é o manejo desta condição.