Chamamos de pé chato aqueles pés que não possuem a “curvinha” da parte de dentro do pé. Este padrão de pé é extremamente comum na infância, sendo responsável por grande parte das consultas a um Ortopedista Pediátrico.
O termo pé chato é o mais utilizado pela população em geral, contudo o nome técnico correto é “Pé Plano”.
Imagem que demonstra os pés planos (pés chatos) de um paciente de 1 ano e 6 meses de vida. Perceba como o arco plantar medial não é formado e toca o solo quando o paciente está de pé. Este padrão está presente em até 97% das crianças abaixo dos 2 anos de idade, e não requer tratamento na grande maioria dos casos.
O mesmo paciente visto de costas enquanto fica na ponta dos pés. Este teste simples (chamado de teste da ponta dos pés) demonstra que há flexibilidade das articulações dos pés, pois forma-se o arco plantar medial e o calcanhar aproxima-se do meio do corpo. Geralmente, os pés que são flexíveis tendem a não causar problemas, não necessitando de tratamentos específicos.
O pé chato é extremamente prevalente abaixo dos 2 anos de idade, estando presente em até 97% das crianças. Porém, com o crescimento a quantidade de crianças com o pé plano tende a diminuir. Confira na tabela abaixo a estimativa de pacientes com pé plano a depender das idades:
Idade | Prevalência de Pés Planos |
---|---|
< 2 anos | 97% |
3 anos | 54% |
6 anos | 26% |
10 anos | 4-15% |
Fonte: Honig et al. Curr Opin Pediatr 2021, 33:105–113
Como discutido no último tópico, estudos demonstram que a quantidade de crianças com pé chato diminui conforme a idade vai aumentando. Antigamente, nós ortopedistas acreditávamos que era necessário tratar os pés planos na infância utilizando botas ortopédicas e palmilhas.
Se você que está lendo este artigo nasceu antes de 1990, tem grande chance de ter utilizado estes dispositivos para correção dos pés chatos, ou de conhecer alguém que usou! Contudo, hoje já temos evidências suficientes que comprovam que o uso de botas e palmilhas não melhora a forma do pé!
Exemplo de uma bota ortopédica e de uma palmilha utilizada na tentativa de criar o arco plantar medial. Ressaltamos que estes dispositivos não criam a curva nos pés e, portanto, não são mais utilizados para este propósito.
Isso quer dizer que os tratamentos realizados no passado não ajudavam a melhorar o formato do pé. Resumindo, se 100 crianças com pé chato forem dividas em 2 grupos de 50 crianças, e um grupo for submetido ao tratamento com palmilhas e botas e o outro grupo não for submetido a nenhuma tratamento, o resultado final será o mesmo!
Em outras palavras, a resposta da pergunta do tópico é: não é preciso utilizar nenhum dispositivo para criar o arco do pé das crianças. Até 95% dos pés deixarão de ficar chatos naturalmente com o crescimento, sem nenhuma medida especial ser aplicada.
Após compreendermos que a maioria das crianças terá uma resolução espontânea dos pés chatos e criar a “curva” do pé sem nenhuma tratamento especial, resta a dúvida: e se meu filho/filha fizer parte daqueles 5% que continuaram com o pé chato depois dos 10 anos de idade? O que fazer?
Bom, em primeiro lugar, para compreender este tópico é importante saber o que consideramos ser um “pé normal” atualmente.
Antigamente considerávamos todos as crianças com pé chato como “doentes” e as tratávamos com palmilhas e botas. Hoje em dia, a definição de pé normal não depende simplesmente da morfologia do pé, ou seja, simplesmente do seu formato. Na verdade, o formato acaba sendo o que menos importa.
As características que fazem um pé infantil ser considerado normal são:
Exemplo de um pé plano em um paciente de 10 anos de idade que possui dor e incapacidade funcional. Perceba como os calcanhares ficam para fora no contato com o solo e como não existe o arco plantar medial.
Imagem do mesmo paciente realizando o teste da ponta dos pés. Note como não se cria a curva abaixo dos pés e como o calcanhar não aponta para dentro. Isto significa que o pé é rígido, ou seja, não é flexível. Este paciente necessitou de tratamento cirúrgico para melhora dos seus sintomas. Os pés rígidos tendem a necessitar de tratamentos cirúrgicos mais do que os pés flexíveis.
Perceba como nenhuma das 3 características acima remete ao formato do pé. Portanto, não importa sem tem muita ou pouca curva, se é mais aberto ou fechado, fino ou grosso, feio ou bonito… o que importa é a função do pé!
Agora que compreendemos o que é normal, vamos ao que interessa: e se o paciente chegar aos 10 anos e continuar com o pé chato? O que fazer?
Nestes casos, é importante que o paciente seja avaliado preferencialmente por um Ortopedista Pediátrico. Na avaliação, o médico vai ver se o paciente possui as 3 características do pé normal: flexibilidade, funcionalidade e ausência de dor.
Caso todas as características estejam presentes, não há grandes motivos para preocupação. É possível acompanhar o paciente para saber se ele vai perder alguma destas características até terminar o crescimento. Caso o quadro não mude, via de regra, ele não precisará de nenhum tratamento em específico.
Todavia, caso o paciente desenvolva rigidez, dor ou incapacidade funcional, é necessário fazer uma investigação mais pormenorizada dos pés para descobrir o que está afetando a função dos pés.
Nestes casos, após a avaliação da causa da dor, incapacidade funcional e/ou rigidez, o ortopedista poderá decidir sobre o tratamento mais adequado.
A primeira divisão em relação ao tratamento é: com cirurgia ou sem cirurgia?
O tratamento sem cirurgia tende a ser empregado como estratégia inicial na maioria dos casos. Ele se baseia em fisioterapia para alongamento da cadeia posterior dos membros inferiores, fortalecimentos da musculatura estabilizadora dos tornozelos e pés e, eventualmente, no uso de palmilhas para melhorar a sustentação do pé durante o uso de calçados. Esta modalidade de tratamento tende a funcionar melhor em pés que são flexíveis.
OBS: lembre-se de que as palmilhas não servem para criar o arco medial do pé! Todavia, nos casos de pés dolorosos elas podem ser utilizadas para ajudar no tratamento da dor!!
Já nos casos em que o tratamento conservador não funciona e, principalmente, nos casos de pés rígidos, existem opções de tratamento cirúrgico que devem ser selecionadas caso-a-caso. Acesse este artigo para entender melhor as opções de correção cirúrgica para os pés chatos na infância.
Não! Já há evidências suficientes que demonstram que as palmilhas e botas ortopédicas não contribuem para a formação do arco plantar medial nos pés das crianças.
Existem algumas publicações que consideram que esta afirmação é verdadeira, por isso recomendamos de maneira geral que o paciente seja estimulado a deambular, sempre que possível, descalço e em terrenos variados (como a grama, areia, terra e etc…). Contudo, ainda existem controvérsias na literatura em relação a isso, com alguns estudos apontando que os calçados fazem diferença no desenvolvimento do arco, enquanto outros estudos não.
O principal sinal é a dor! Geralmente, os pés que não doem não precisam de tratamento, enquanto o contrário é verdadeiro. A dor nos pés planos de pacientes em crescimento tende a ocorrer por volta dos 10 anos de idade, portanto esta é uma boa idade para avaliação.
Esta é uma pergunta de difícil resposta! É muito complicado prever quais pacientes necessitarão de tratamentos conservadores ou cirúrgicos no futuro. Atualmente, não temos indicação clara de atuar na correção dos pés chatos que são assintomáticos, ou seja, que não apresentam dor. Como exposto acima, geralmente os pacientes que apresentam dor vão começar a reclamar por volta dos 10 anos de vida. Antes disso, não conseguimos prever com 100% de certeza se os pés terão dor e, por isso, o melhor é aguardar o desenvolvimento dos pés e atuar somente nos casos em que as crianças terão queixas relacionadas. Cirurgias preventivas em pacientes sem sintomas podem ser arriscadas e transformar um pé sem dor em um pé doloroso!