Uma das queixas mais comuns no consultório do Ortopedista Pediátrico é a marcha com os pés virados para dentro. Em inglês, chamamos esta característica da caminhada de “Intoeing”.
Ela se refere a um padrão de marcha em que a criança se locomove apontando os dedos do pé um para o outro. Muitos pais também se referem a esta forma de andar como uma “pisada para dentro”, mas que não deve ser confundida com a queixa de Pé Chato.
Frame de um vídeo que exemplifica a marcha com os pés virados para dentro, ou marcha em “Intoeing”. A paciente em questão vira os dedos do pé para dentro quando deambula, revelando um padrão de marcha que preocupou os pais.
Um dos pontos mais interessantes deste artigo é destrinchar os motivos pelos quais os pacientes podem andar desta maneira. Indo direto ao ponto, em pacientes neurologicamente normais, existem 3 motivos principais que explicam a marcha com os pés para dentro:
Agora vamos explicar cada uma delas e suas possíveis condutas.
O aumento da anteversão femoral é, de longe, a causa mais comum que leva os nossos pacientes a andarem com os dedos virados para dentro! Pode parecer estranho para alguns pais e mães, mas é isso mesmo: o principal motivo que leva os pacientes a andarem com os pés para dentro não é um problema no pé, mas sim uma característica do quadril das crianças.
Foto que exemplifica uma paciente de 6 anos que não possui a “anteversão femoral aumentada”. Veja como, ao rodar internamente os quadris da paciente, as canelas da paciente ficam longe da maca. Portanto, esta paciente não tem facilidade para andar com os pés para dentro. Este padrão de rotação é semelhante ao encontrado na maioria dos adultos (45 graus de rotação interna dos quadris).
Foto que mostra uma paciente com a “anteversão femoral aumentada”. Perceba que ao rodar os quadris internamente, as canelas da paciente quase tocam a maca. Ou seja, há bastante facilidade para girar os quadris para dentro, o que facilita a postura de marcha com os pés para dentro – Intoeing.
Como já vimos no artigo sobre Sentar em W, a anteversão femoral aumentada é fisiológica nas crianças e tende a se resolver naturalmente com o tempo, conforme os meninos e meninas vão se desenvolvendo. Ressaltamos, contudo, que pacientes que se locomovem menos (como aqueles que possuem problemas neurológicos ou síndromes), a taxa de correção espontânea é menor. Alguns desses pacientes podem necessitar, ao longo do seu desenvolvimento, de cirurgias para correção do padrão de marcha. A indicação das cirurgias acontece principalmente quando o paciente apresenta prejuízos funcionais importantes.
Foto que exemplifica uma criança sentando em W. Este padrão de sentar-se é devido ao excesso de anteversão femoral, que também é associado à marcha com os pés para dentro.
Outras modalidades de tratamento como o uso de palmilhas, botas, slings, e fisioterapia podem até ajudar a melhorar o padrão de marcha por um momento, contudo não possuem influência significativa na taxa de correção da deformidade óssea.
Portanto, na maioria das vezes, quando os nossos filhos e filhas andam desta maneira durante a infância, e não apresentam dor ou incapacidades funcionais, nós orientamos as famílias quanto ao quadro e aguardamos a resolução espontânea até o final da adolescência. Cabe lembramos que é raro que os pacientes que não possuem doenças neurológicas necessitem de cirurgias para este tipo de problema ao fim da crescimento.
Uma outra questão que o Ortopedista Pediátrico sempre precisa avaliar é se o paciente possui algum grau de excesso de rotação interna das tíbias. A tíbia é o osso principal da “canela” dos seres humanos. Geralmente, ela apresenta uma rotação levemente para fora, ou seja, o seu alinhamento mais usual faz com que andemos apontando o pé para frente.
Entretanto, alguns pacientes podem apresentar uma rotação interna da perna aumentada. Isso ocorre principalmente antes dos dois primeiros anos de vida, associada à deformidade em varo das pernas da criança, o chamado genu varo fisiológico, também conhecido como “pernas em alicate”.
Imagem que demonstra uma paciente com excesso de rotação interna das tíbias. A melhor maneira de avaliar isso no consultório é colocando a criança de barriga para baixo e comparando os eixos da coxa (azul) e do pé (vermelho). Chamamos este teste físico de Ângulo Coxa-Pé. Geralmente, em pacientes maiores, os eixos são semelhantes e se sobrepõem. Contudo, nesta paciente, perceba como o pé aponta para dentro e a coxa aponta para fora, mostrando que há uma rotação da canela aumentada para dentro.
Felizmente, a maioria dos casos de genu varo tende a se resolver até o 2o aniversário dos nossos pequenos. Dessa forma, também percebemos a resolução da rotação interna associada, e o paciente volta a andar com os pés mais alinhados para frente.
Nos casos de pacientes que continuam andando com os pés virados para dentro após os 2 anos de vida, precisamos identificar o por quê isso esta acontecendo e acompanhá-los durante o crescimento. Assim como exposto no tópico acima, sabemos que os tratamentos conservadores – ou seja, sem cirurgia – também não tem influência na resolução destes quadros.
De maneira semelhante, indicamos procedimentos cirúrgicos para correção da rotação interna tíbial apenas quando o paciente apresenta prejuízos funcionais relevantes devido à este padrão de caminhada.
Podemos dizer que a causa menos comum de andar para os pés para dentro, curiosamente, são as deformidades do próprio pé! São raros os casos de pacientes neurologicamente sadios que possuem deformidades relevantes nos pés que causem um padrão de marcha em “Intoeing”.
Das deformidades do pé, a mais comum chama-se Metatarso Aduto, ou Metatarso Varo. Este quadro pode ser idiopático – ou seja, sem causa definida – ou pode ser decorrente de uma sequela de doenças como, por exemplo, o Pé Torto Congênito.
Foto que exemplifica uma deformidade intrínseca do pé, também chamada de Metatarso Varo, ou Metatarso Aduto. Nestes casos, o eixo do calcâneo (vermelho) é diferente do eixo do restante do pé (azul), fazendo com que o paciente apresente um padrão de marcha com os pés para dentro.
Diferentemente das condições apresentadas acima, as deformidades intrínsecas do pé possuem maior chance de necessitar de tratamento, e não somente observação. O critério para indicar os tratamentos também dependem do grau da deformidade, da sua flexibilidade e dos prejuízos de função e dor que venham a causar.
Neste breve artigo, vimos que a marcha com os pés para dentro causa muitas dúvidas e aflições nos parentes dos pacientes. Contudo, felizmente, aprendemos que na grande maioria das vezes a correção deste padrão se dará de maneira natural até o fim do crescimento em pacientes que não possuem problemas neurológicos ou síndromes.
De qualquer forma, recomendamos que o paciente seja avaliado por um Ortopedista Infantil para identificação da causa e orientação adequada dos familiares. Em alguns casos, terapias podem ser necessárias, assim como cirurgias para melhora deste padrão.
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